Considerada por
muitos como um simples acessório, as surdinas têm um papel chave na
caracterização de certos estilos musicais, como o Jazz, e podem ser um
fator de enriquecimento da linguagem musical e da performance de um
instrumentista. Vamos analisar sua origem, tipos e características.
A procura de um nome: Segundo a definição do Dicionário Houaiss,
surdina é o "dispositivo móvel ou fixo que, em determinados
instrumentos, serve para abafar-lhes a sonoridade e alterarlhes o
timbre". A função original das surdinas foi, sem dúvida, a de
abafar o som dos instrumentos. Hoje ela é muito mais do que isso, sendo a
sua principal função a mudança do timbre. E, embora não seja bonito, o
termo "timbrador" seria muito mais adequado para descrever o que
hoje chamamos de surdina.
O princípio: Nos instrumentos de metal as surdinas são colocadas na saída
da campana ou dentro dela; elas interceptam o som do instrumento reduzindo
seu volume e alterando seu timbre. Partindo-se dessa definição, podemos
considerar uma flanela amarrada na campana do instrumento como uma forma
simples de surdina. Desse modelo básico até as sofisticadas surdinas
eletrônicas, todas estão sujeitas a alguns princípios acústicos comuns
presentes em maior ou menor grau conforme o modelo em questão.
Basicamente podemos falar de três características:
1. Abafa o som Ao interceptar as vibrações da coluna de ar que saem
pela campana do instrumento, ela absorve parte da energia sonora, fazendo
com que o volume do som diminua.
2. Filtra o timbre Conforme a forma que possui e o material de que é
feita, ela absorve alguns dos sons harmônicos que compõem o timbre do
instrumento, alterando suas características.
3. Acrescenta sons harmônicos ao timbre do instrumento Ao interceptar
as vibrações sonoras produzidas pelo instrumento, ela mesma entra em
vibração, acrescentando seu próprio som ao som do instrumento.
O instrumentista como ator do som: A relação entre um instrumentista e o
som de seu instrumento é muito parecida com aquela entre um ator e sua
voz. No seu processo de formação, o ator, num primeiro momento, trabalha
sua voz para que ela desenvolva qualidades como resistência, sonoridade,
volume, projeção e expressividade. Assim que seu controle vocal tenha
atingido um nível satisfatório, o ator continua seu aprendizado
trabalhando na caracterização vocal de personagens que difiram dele próprio
na idade, sexo, condição física, grupo social, estado de ânimo, etc.
Com os instrumentos o processo é similar: uma vez que tenhamos conseguido
obter uma sonoridade uniforme, um belo timbre, boa afinação, projeção
sonora, resistência e expressividade, devemos trabalhar com as nuances de
caracterização timbrística exigidas pelos diferentes estilos musicais.
Nesse momento, um estudo cuidadoso com os diferentes tipos de surdina trará
uma melhora geral no seu desempenho artístico.
Cada surdina, por suas características individuais, requer uma pressão
específica da coluna de ar, um tipo de correção de afinação, uma técnica
de fixação e manipulação. Muitos músicos compram suas surdinas,
colocam no instrumento quando aparece escrito SURDINA na partitura e a
retiram quando lêem SEM SURDINA, ignorando que, para serem bem
empregadas, é requerida uma prática à parte.
É importante lembrar que, de forma similar a outras atividades, depois de
praticarmos com uma surdina, ao voltarmos para a maneira normal de tocar
teremos muito mais controle sobre a mesma. Sair da rotina é enriquecedor!
A paleta de cores do compositor: Analisando as surdinas do ponto de vista
dos compositores, podemos dizer que seu uso equivale à combinação feita
pelos pintores com as cores básicas para produzir as diversas nuances de
tom.
Para quem quer entender como isso funciona na prática, vale a pena ouvir
o poema sinfônico "La Mer" (O Mar), do compositor francês
Claude Debussy. Elas são muito empregadas, também, nas trilhas sonoras
de filmes e desenhos animados.
Compositores e arranjadores têm, nas surdinas, uma fonte riquíssima de
material sonoro à disposição de sua criatividade.
Os diversos tipos de surdina: O músico de orquestra usa basicamente um
tipo de surdina, que tem a finalidade de abafar o som do instrumento. Ela
tem a forma de um tronco de cone feito de papelão, madeira, metal ou
fibra de vidro, fechada na base e aberta na ponta, e se fixa à campana do
instrumento com auxílio de pequenas tiras de cortiça coladas em sua
lateral.
Nas partituras, indica-se normalmente seu uso escrevendose SURDINA no início
do trecho e SEM SURDINA no final. Em outras línguas escreve-se desta
forma:
Essas indicações podem variar. O Importante é que fique claro para o músico
quando ele deve colocar e retirar a surdina.
O grande desenvolvimento e diversificação dos tipos de surdina ocorreram
dentro do Jazz, onde seu emprego nos instrumentos de metal tornou-se uma
das características da linguagem.
Por terem sido desenvolvidas nos Estados Unidos, seus nomes são em inglês.
Os tipos mais conhecidos são:
STRAIGHT - Equivalente à surdina tradicional para abafar o som do
instrumento.
CUP - Similar à anterior acrescida de uma espécie de concha na base do
cone.
WA-WA - Muito empregada para efeito de risadas nas trilhas dos desenhos
animados. Ao abrirmos e fecharmos um orifício que fica em sua base
produz-se uma espécie de pequeno glissando no som. Daí seu nome.
HARMON - Produz um timbre velado e metálico. É uma das mais empregadas
por diversos trompetistas de Jazz.
PLUNGER - Pode ser feita com a borracha do desentupidor de pia. Ao
variarmos o ângulo de abertura em relação à campana produz-se um
efeito de glissando.
VELVET - Veludo. Abafa muito o som, produzindo um som distante e
aveludado.
Um outro tipo importante de surdina é a Surdina de Estudo. São feitas
para que o instrumentista possa estudar em qualquer lugar sem atrapalhar
ninguém. As mais modernas têm um microfone embutido e podem ser ligadas
a um fone de ouvido ou aparelhagem de som. É importante lembrar-se que
esse tipo de surdina, por vedar quase completamente a campana, aumenta
muito a resistência da coluna de ar, criando uma condição muito
diferente da normal. Portanto, seu uso só é indicado para situações
especiais, não para a rotina de estudo.
Finalmente, no caso específico da trompa, existe uma surdina para o
efeito de BOUCHÉ (quando o trompista fecha completamente a campana com a
mão e sopra com mais força, fazendo com que a própria campana vibre).
Esse tipo de surdina sobe em meio tom a afinação do instrumento,
portanto, ao empregá-la, devemos tocar sempre meio tom abaixo do que está
escrito.
Afinação: Uma outra questão importante no uso das surdinas é a afinação.
Teoricamente, uma surdina deveria manter a afinação do instrumento
inalterada. Na prática, como as medidas dos instrumentos variam de
fabricante para fabricante e mesmo entre modelos diferentes de um mesmo
fabricante, é impossível fabricar-se uma surdina que afine em todos
instrumentos. Cabe ao músico, portanto, fazer as devidas correções. Por
esse motivo, é fundamental um estudo minucioso com cada surdina para que
você saiba onde deve corrigir a afinação do instrumento durante a execução.
Algumas surdinas possuem um cilindro interno ajustável a partir do qual
pode-se regular a afinação da mesma.
A surdina e o espaço: Ao filtrar o som do instrumento as surdinas alteram
profundamente suas características, principalmente no que diz respeito à
projeção do som. É importante checar com seus colegas se, quando você
está utilizando uma surdina, seu som consegue se projetar no espaço do
teatro ou local de apresentação como você imagina. É possível que ele
simplesmente desapareça para o público, embora você tenha a impressão
de estar tocando muito forte.
No caso de gravações em estúdios, em algumas situações, trechos com
surdinas devem ser captados de forma distinta da utilizada para gravar o
som normal de seu instrumento.
Experiências: Agora que você já sabe como as surdinas funcionam, que
tal dar asas à sua imaginação e criar suas próprias surdinas? Existem
várias possibilidades. A mais simples é usar garrafas plásticas.
Existem alguns modelos que têm forma cônica e podem produzir surdinas
interessantes. Você vai precisar também de algumas tiras de cortiça
para que a sua surdina possa ser fixada ao instrumento.
Outra possibilidade interessante é utilizar papel machê, que é muito fácil
de ser preparado e muito versátil na moldagem. Ele pode ser pintado com
tinta a óleo para o acabamento. Existe uma explicação simples e bem
humorada sobre a preparação do papel machê em http://www.monica.com.br/
comics/papel/
Para aumentar o leque de experiências pode-se utilizar ainda: chapa, cartão
ou fibra de vidro.
Era uma vez... Se você é professor e trabalha com educação infantil,
encontrará nas surdinas uma fonte de recursos sonoros inusitados que
convidam à imaginação. Partindo de uma surdina básica adaptada (que
funcione como uma espécie de rolha com um orifício, colocada na campana
do instrumento) você pode conectar apitos, língua-de-sogra, kazoo, fitas
de papel e tudo que sua imaginação encontrar.
Os recursos estão agora em suas mãos. Que tal colorir esse mundo com a
riqueza timbres que as surdinas proporcionam?
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